terça-feira, 28 de abril de 2015

Dois pontos e meio de um diálogo

Harper Pitt – Foi difícil atravessar as planícies?
Mãe Mormon – Você não é burra! Não faça perguntas tolas, e sim espertas.

Harper Pitt – Na sua experiência do mundo, como as pessoas mudam?
Mãe Mormon – Bem, tem alguma coisa a ver com Deus, então, não é muito agradável.

Deus rasga a pele, com uma unha denteada, da garganta à barriga.
E aí enfia uma mão imensa e suja lá dentro. Ele agarra os seus canos sangrentos, e, você desliza para escapar, mas, ele agarra firme. Ele insiste!
Ele puxa e puxa... Até que suas vísceras sejam arrancadas para fora.
E a dor...
Nem consigo falar sobre isso.
E aí Ele as enfia de volta. Sujas, enroscadas, rôtas. Cabe a você dar os pontos.

Harper Pitt – Levante-se. E vá em frente!
Mãe Mormon – Somente vísceras destroçadas, fingindo.
Harper Pitt – É.
Harper Pitt – É assim que as pessoas mudam?
Mãe Mormon – Yes!

Esse diálogo entre Harper e a Mãe Mormon, extraído da minissérie Angels in America (Anjos na América), transporta-nos para a teatralidade dessa obra, como também, coloca-nos num confronto forte e belo sobre a mutabilidade existencial. <3

quinta-feira, 23 de abril de 2015

O GRITO DE GUERRA E UMA CHAMA DE PAZ

Do ventre sereno e materno das matas,
Surge um assovio distante,
Que corta e corrompe o silêncio dos imensos jequitibás
Num curto instante, mangueiras, jaqueiras põem-se a dançar

Convite ao encontro de olhar
Assovia-se daqui e ouve-se de lá
De repente, tambores, chocalhos e repiques a soar
Convergem num grito de guerra
Que personifica-se no ar

E num claro instante,
Da energia dos espíritos do sol
Cingido pela força dos talismãs da natureza
Nascido duma semente de luz e beleza
Germinada na maciez da terra
Regado pelas fontes de água doce e translucida
Forjado no fogo, de oxigênio infinito
Brota o grande guerreio sagaz

Sua pele vermelho-urucum, cintila contra o sol
Seus pés ágeis e sincronizados
Seguem o fluxo dos ventos
Tem a força motriz das cachoeiras
Seu sangue é seiva da flor, do mel, das árvores
Seus órgãos tem o formato de fruta madura
Tem olhos de lince, rapina, águia veloz
Cada centímetro seu, é, também, parte do seu habitat
Existência simbiótica humano-florestal

E, como esse nobre guerreiro Xamã
Existem outros centenas mais!
Afluentes de um mesmo rio
Que se espalham de norte a sul do Brasil

Cada homem, criança, mulher
Vive a cosmologia do universo, do espaço
A ancestralidade, o amor à vida natural
Os valores dos céus e da terra
O respeito a dignidade animal

Estabelecendo tessituras,
Trançando suas histórias com força, cipó e fé
Erguendo abrigos contra o mal invasor
Reafirmando as raízes diante do mundo coisificador

Dentro dos Opy`s
Os mestres, àqueles que enxergam no escuro e além
Convidam todos os povos a lutar
E a batalha é constante, diária!

Uma guerra contra a invisibilização
Contra o horror da aculturação
Contra o silêncio duro da lei e sua ordenação
Contra a matança odiosa da simplificação
Contra a bestialidade da caricaturização
Contra a perversidade da expropriação

Então, num coro avassalador
Destruindo as correntes do ciclo de terror
Guaranis Ñandeva, Mbya e Kaiowá
Farão se ouvir falar

Kayapós, Yanomamis, Arawetés
Libertar-se-ão do sensacionalismo burro das TV`s
E, todo choro de sofrimento e dor,
Dos Munduruku, Potiguara, Kamaiurá
Finalmente cessará

Os raios solares atingirão novamente a América do Sul e iluminarão a façanha
Da união magnânima dos Amanayé, Xavante, Araweté, Pataxó e Miranha
Vencendo o ódio e derrubando toda e qualquer artimanha

Uma chama indômita de paz e fulgor
Queimará para sempre os vestígios do medo e horror
E, do Oiapoque ao Chuí
Novamente, todos povos voltarão a sorrir.